O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ – Department of Justice, na sigla em inglês) processou o Google. No processo, o governo federal foi acompanhado por 8 outros estados. O objetivo é que a a gigante abra mão de sua divisão de publicidade. Para os promotores, o Google tem hoje um monopólio do segmento o que, segundo o processo, resultou num mercado corrompido, em que as verbas publicitárias que deveriam alimentar produtores de conteúdo acabam sendo engolidas pela gigante das buscas.
O processo foi anunciado nesta terça-feira (24), e trata-se da segunda segunda ação antitruste movida pelo governo norte-americano contra a Alphabet, dona do Google. O primeiro foi solicitado em 2020 e alega que o Google adota práticas ilegais e anticompetitivas no segmento de buscas. Agora, com este novo processo, que mira o braço de intermediação publicitária da empresa, o Google se vê de um desafio duplo, já que as ações atingem seus principais negócios.
A nova batalha judicial deverá ser longa, com amplas implicações para a indústria de publicidade digital. O processo numa corte do estado da Virgínia. Nele, o DOJ alega que o Google abusa de seu poder monopolizador na indústria de ad-tech (publicidade digital). Ainda segundo o processo, as estratégias adotadas pelo Google prejudicam criadores de conteúdo (como sites de notícias, por exemplo), mas também anunciantes e o público em geral.
O DOJ quer que a corte force uma reversão do que os promotores chamaram de “aquisições anticompetitivas” do Google. Um dos maiores exemplos é a compra da companhia de serviços de publicidade DoubleClick, realizada em 2008. A partir dessa aquisição, o Google teria ganhado condições de estabelecer praticamente um monopólio do mercado de publicidade digital.
“Por 15 anos, o Google seguiu um curso de conduta anticompetitiva que lhe permitiu interromper o surgimento de tecnologias rivais, manipular a mecânica de leilões, isolar-se da concorrência e forçar anunciantes e editores a usar suas ferramentas”, disse o procurador-geral Merrick Garland em conferência de imprensa. “O Google se envolveu em conduta de exclusão que enfraqueceu severamente – se não destruiu – a concorrência no setor de tecnologia de anúncios.”
Um porta-voz do Google disse que o processo “tenta escolher vencedores e perdedores no altamente competitivo setor de tecnologia de publicidade”.
“O DOJ está reforçando um argumento falho que retardaria a inovação, aumentaria as taxas de publicidade e dificultaria o crescimento de milhares de pequenas empresas e editoras”, disse o porta-voz.
Embora praticamente invisíveis para os usuários da Internet, as ferramentas de tecnologia de anúncios controladas pelo Google facilitam são a força dominante na internet: elas gerenciam desde as compras de anúncios, feitas por empresas, agências de publicidade e intermediários, até a exibição desses mesmos anúncios nos sites de conteúdo. Na ação, o DOJ pede que a justiça obrigue o Google a vender essa parte da empresa. As ações da Alphabet caíram cerca de 2% nas negociações de terça-feira.
Grandes empresas de tecnologia, como o Google, estão sob pressão de legisladores e reguladores em vários continentes. Hoje, há o entendimento de que as Big Techs estão envolvidas em práticas anticompetitivas em diversos segmentos. A Apple também está na mira do DOJ. Já o Federal Trade Commission (FTC) processou o Facebook por alegações antitruste e também a Microsoft. A União Europeia também abriu processos sobre suposta conduta anticompetitiva do Google, Meta e outras empresas.
Caso o processo de agora vá adiante, representará um verdadeiro Tsunami no mercado digital. A Alphabet obtém cerca de 80% de seu faturamento justamente com publicidade. O Google reportou US$ 31,7 bilhões em receita em 2021 com essa atividade de corretagem de anúncios, ou cerca de 12% da receita total da Alphabet. A gigante das buscas distribui cerca de 70% dessa receita para editores e desenvolvedores da web.
No ano passado, o Google ofereceu dividir partes de seu negócio de publicidade digital numa empresa separada sob o guarda-chuva da Alphabet, numa tentativa de evitar o processo impetrado agora. Mas, o DOJ rejeitou a oferta e decidiu prosseguir com o processo.
Durante anos, o Google enfrentou alegações de executivos, legisladores e reguladores do setor de publicidade e mídia de que sua presença em vários pontos do processo de compra de anúncios online prejudica os editores e oferece uma vantagem injusta sobre os rivais.
O fato de o Google também operar o mecanismo de busca mais popular e o maior site de streaming de vídeo on-line, o YouTube, deu origem a alegações de que a empresa inclinou o mercado a seu favor.
Os concorrentes dizem que o poder do Google na publicidade digital decorre de uma série de aquisições que o Google usou para construir seu negócio de tecnologia de anúncios, começando com a compra da DoubleClick. Na época, a FTC aprovou a fusão em decisão controversa. O Google passou então a comprar uma série de outras startups, incluindo a empresa de publicidade móvel AdMob.
“Tendo se inserido em todos os aspectos do mercado de publicidade digital, o Google usou meios anticompetitivos, excludentes e ilegais para eliminar ou diminuir severamente qualquer ameaça ao seu domínio sobre as tecnologias de publicidade digital”, dizia a denúncia.
O Google disse que não tem planos de vender ou sair do negócio de tecnologia de anúncios. Também contestou veementemente as reivindicações em ação movida pelos procuradores gerais do estado, liderada pelo Texas, contendo alegações semelhantes à queixa do Departamento de Justiça. Um juiz federal negou a maioria da moção do Google para encerrar o caso no ano passado, permitindo que ele prosseguisse para a fase de descoberta e, finalmente, para o julgamento.
A separação de partes dos negócios de tecnologia de anúncios do Google do restante da empresa pode levar anos de litígio para ser resolvida. Dependendo do resultado do caso, os executivos de tecnologia de anúncios disseram que os resultados podem variar de uma parcela maior de dólares de publicidade fluindo para os editores para reduzir os gastos gerais, porque os anúncios digitais seriam menos eficientes sem a intermediação do Google.
O processo, de 149 páginas, faz alegações detalhadas sobre o funcionamento interno das operações de tecnologia de anúncios do Google. Ele alega, por exemplo, que o Google usou táticas anticompetitivas para aumentar a participação de mercado de seu próprio servidor de anúncios, que emite solicitações de anúncios em nome de sites, e depois usou esse poder de mercado para forçar efetivamente os editores a disponibilizar todos os seus espaços de anúncios para uma outra ferramenta do Google, chamada de AdX.
O Departamento de Justiça argumenta, em parte, que essa conduta bloqueou fornecedores rivais de tecnologia de anúncios, aumentando os preços para os anunciantes e os custos dos editores.
“O Google fica com pelo menos US$ 0,30 – e às vezes muito mais – de cada dólar de publicidade que flui dos anunciantes para os editores de sites por meio das ferramentas de tecnologia de anúncios do Google”, alega o processo. “Os próprios documentos internos do Google admitem que ele ganharia muito menos em um mercado competitivo.”
O processo também alega que os executivos do Google trabalharam para matar uma tecnologia rival de lances online chamada “header bidding”, no processo, há a menção de que o próprio Google ser referiu internamente a essa tecnologia como uma “ameaça existencial”.
Como parte de um plano apelidado de “Projeto Poirot”, a empresa supostamente mudou suas próprias ferramentas de compra de anúncios para oferecer lances inferiores em nome dos anunciantes quando eles recorreram a trocas de anúncios externas que usavam header biddings para que os rivais perdessem mais leilões e “secassem”, diz a denúncia.
A certa altura, o Google também abordou a Amazon para perguntar “o que seria necessário para a Amazon parar de investir em seu produto de header biddings”, alega a reclamação, acrescentando que a Amazon rejeitou esses pedidos.
“O Google usa seu domínio sobre a tecnologia de publicidade digital para canalizar mais transações para seus próprios produtos de tecnologia de anúncios, onde extrai taxas inflacionadas para encher seus próprios bolsos às custas dos anunciantes e editores que supostamente atende”, dizia a reclamação.
O caso do DOJ se sobrepõe de certa forma ao processo do final de 2020 do grupo de estados dos EUA liderado pelo Texas.
Na queixa mais recente, o DOJ cita algumas das mesmas comunicações internas do processo movido pelo Texas, incluindo como um executivo do Google comparou o controle da empresa sobre o mundo da publicidade online ao setor financeiro: “A analogia seria se o Goldman (Sachs) ou o Citibank possuíssem o NYSE”, referindo-se à Bolsa de Valores de Nova York.
O caso também compartilha semelhanças com investigação que o principal órgão antitruste da UE, a Comissão Europeia, abriu em 2021, bem como uma da Autoridade de Concorrência e Mercados do Reino Unido.
Essas investigações estão explorando alegações de que o Google favorece suas próprias ferramentas de compra de anúncios nos leilões de publicidade que realiza, mas também analisam outros elementos do negócio de tecnologia de anúncios da empresa. A UE, por exemplo, também está analisando a suposta exclusão de concorrentes do Google de intermediar compras de anúncios no YouTube.
Merrick Garland – o secretário de justiça norte-americano – disse na terça-feira (24) que o Departamento de Justiça abriu seu próprio processo porque o governo federal foi prejudicado pela conduta supostamente monopolista do Google. As agências federais gastaram desde 2019 mais de US$ 100 milhões em anúncios gráficos, diz a denúncia. O governo pagou taxas inflacionadas e foi prejudicado por preços de publicidade manipulados por conta da conduta anticompetitiva do Google, alega o processo.
Jonathan Kanter, procurador-geral adjunto antitruste, disse que, embora existam semelhanças com outros processos contra o Google, a reclamação do Departamento de Justiça é baseada em sua própria investigação que rendeu “detalhes meticulosos” sobre os negócios de tecnologia de anúncios do Google. “Detalhamos muitos fatos, muitos episódios que individualmente e em conjunto mantiveram numerosos monopólios”, disse Kanter.
O Google tentou resolver as reivindicações contra seu negócio de tecnologia de anúncios. Além de oferecer a divisão de partes de seu negócio de ad-tech para evitar o processo do DOJ, a empresa discutiu no ano passado com a UE oferta para permitir que os concorrentes intermediassem a venda de anúncios diretamente no YouTube.
Em 2021, a empresa concordou em dar aos reguladores antitruste do Reino Unido poder de veto efetivo sobre elementos de seus planos para remover tecnologia chamada cookies de terceiros de seu navegador Chrome para encerrar investigação sobre o plano.
Na França, o Google concordou em pagar multa de 220 milhões de euros, equivalente a cerca de 239 milhões de dólares, e em melhorar o acesso aos dados por parte de empresas concorrentes de tecnologia de anúncios, numa tentativa de evitar que uma investigação antitruste fosse levada adiante no país.
Imagem: ESB Professional/Shutterstock
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